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A criança abrigada e a perda da mãe*


*Resumo baseado em John Bowldy, 2004.

Escrito por Izabel Carolina Martins


(Crianças acolhidas pelo Lar São Vicente de Paulo da IDES)

A Irmandade do Divino Espírito Santo (IDES), fundada em 10 de Junho de 1773, iniciou sua atuação social em 1910, com o orfanato Lar São Vicente de Paulo (LSVP). No Lar são atendidas crianças encaminhadas pelo Juizado da Infância e da Juventude, ou pelo Conselho Tutelar, como medida de proteção excepcional e provisória, por se encontrarem em situação de risco. As crianças permanecem no LSVP, enquanto aguardam decisão judicial, que defina o seu encaminhamento para a adoção ou o retorno à família de origem, conforme o Magistrado entender o que é melhor para cada caso. O público alvo do LSVP são crianças de 0 a 6 anos, em atendimento de 24 horas por dia e, em 2018, foram atendidas 24 crianças.

O que falar de crianças abrigadas que sofreram a perda da sua mãe?

A perda da mãe (ou pessoa que desempenha o papel de mãe) por crianças pequenas tem efeitos ou decorrências emocionais. E as crianças abrigadas foram submetidas a vivências de traumas (negligência, fome, violência verbal, física, psicológica, ...) de forma temporária ou permanente, e da perda da figura materna, ou de outra pessoa próxima que desempenha o papel de mãe.

Como a criança reage a essa perda? O rompimento de laços afetivos são vivências de turbulência, que pode ser comparado para o adulto a perda de um filho, de um cônjuge, ... de alguém muito querido. O trauma da perda pode, via de regra, sempre trazer tristeza e depressão.


(Crianças acolhidas pelo Lar São Vicente de Paulo da IDES)

A pessoa (criança, adolescente ou adulto) acaba por desempenhar um papel de compulsão, isto é, a pessoa enlutada tem atitudes e comportamentos para recuperar a pessoa perdida.

A perda de laços afetivos da mãe gera nas crianças abrigadas ansiedade da separação, pesar e luto, processos mentais inconscientes, mecanismos de defesa, instalação de traumas, que ficam registrados nesse período de início da vida. Muitas vezes, na fase adulta, essas pessoas não estão conscientes de que têm um problema, cuja origem se volta para a infância. Eles acreditam que deixaram seu passado para trás, mas isso os persegue inconscientemente. Alguns adultos são pesarosos e melancólicos destruídos, e a causa pode ter sido alguma dificuldade vivida na infância.

A perda da mãe pela criança pequena pode gerar aflição intensa, desnorteante e perturbação emocional, além de outros acontecimentos. E “a perda de uma pessoa amada é uma das experiências mais intensamente dolorosas que o ser humano pode sofrer. É penosa não só para quem a experimenta, como também para quem a observa, ainda que pelo simples fato de sermos tão impotentes para ajudar. Para a pessoa enlutada, apenas a volta da pessoa perdida pode proporcionar o verdadeiro conforto, se o que lhe oferecemos fica, além disso, é recebido quase como um insulto.” (Bowldy, 2004). O autor se opõe a tendência de que, de uma pessoa normal, é esperado que superasse o enlutamento de maneira rápida e total.

A perda com frequência acarreta consequências adversas à personalidade da criança, dependendo da longa duração do pesar e das dificuldades de se recuperar de seus efeitos...Uma criança de idade entre 12 meses a 3 anos que perdeu a figura materna, à qual era apegada e colocada com estranhos, em um lugar desconhecido, tem uma reação inicial de protesto (desespero, choro, agitação, busca de qualquer imagem ou som que possam anunciar a mãe ausente) e de esforços para recuperar a mãe perdida. Isso pode continuar por dias e semanas, em expectativa de que sua mãe volte. Na sequência o desespero e a angústia surgem na criança, podendo ficar apática e retraída, passando a um estado de sofrimento inexprimível.


(Crianças acolhidas pelo Lar São Vicente de Paulo da IDES)

Na idade citada, a criança tem falta de entendimento e total incapacidade para tolerar a frustração, e, o sentimento é de que a mãe realmente tivesse morrido (apesar de não conhecer a morte). A ausência da mãe é tão esmagadora como uma perda irreparável. Permanece o desejo ardente do seu retorno, com choro provocado pela ausência da “figura materna” (a pessoa que desempenha o papel de mãe).

Embora a criança passe da fase crítica de protesto, ficando mais quieta e menos explícita em suas comunicações, a observação dos estudiosos desses casos indica que ela continua fortemente voltada para a ausência da mãe. “Como no caso do adulto enlutado, que sente falta e saudades de uma pessoa especial e por isso não consegue encontrar consolo na companhia de outras pessoas, também a criança num hospital, ou numa creche residencial, a princípio rejeita as atenções daqueles que cuidam dela. Embora seus apelos por ajuda sejam claros, seu comportamento com relação às pessoas que desejam consolá-la é muitas vezes tão contraditório e frustrante quanto o do adulto que sofreu uma perda recente. Por vezes, ela rejeita essas pessoas. Em outros momentos, combina o apego a uma ama com soluços pela mãe perdida” (BOWLDY, 2004, p.11).

Importante ressaltar que a compreensão da perda da mãe em crianças abrigadas pode ajudar o cuidador do Lar provisório a buscar estratégias de ação para o acolhimento e minimizar o trauma da vivência do rompimento do laço materno.


(Crianças acolhidas pelo Lar São Vicente de Paulo da IDES)

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